Bolsonaro genocida, a crise brasileira e o VII Congresso do PSOL

Após a derrota de Trump, Bolsonaro transformou o Brasil em uma peça-chave para a direita autoritária global. Esta última foi enfraquecida pela derrota de seu principal líder e pelas eleições em vários países europeus, mas continua sendo uma ameaça presente e futura em meio à crise de dominação global.

Por esta razão, muitos olhos do mundo e, em particular, dos amplos setores democráticos estão agora concentrados no Brasil. As mobilizações anti-Bolsonaro continuam, e em 2 de outubro retomaram em vigor, assim como as possibilidades de sua derrota eleitoral diante da possibilidade de que Lula – agora livre das acusações judiciais – pudesse retornar ao governo.

Não é necessário dizer que a derrota de Bolsonaro, que é a tarefa colocada, pode ser alcançada nas ruas com a mobilização, se isso abrir condições para um impeachment, ou com o voto para um futuro governo Lula. Lula é líder nas pesquisas em todos os cenários e ganharia por enquanto por uma ampla margem sobre Bolsonaro.

Há logicamente esta expectativa e simpatia em amplos setores democráticos e de esquerda pelo retorno de Lula ao poder. Ao lado dessas expectativas, a vanguarda mais à esquerda, aquelas que surgiram nos últimos processos de luta e as franjas anticapitalistas, também têm seu olhar colocado no PSOL. São olhares que estão vinculados, embora mais específicas no caso do PSOL, pois é corretamente considerado uma alternativa mais à esquerda que, embora minoritária em relação ao PT, tem um impacto na política nacional na luta contra Bolsonaro.

O fato dos dois partidos serem da oposição faz com que muitos setores confundam o papel que um e o outro vem jogando e devem jogar no futuro na política nacional. Dizemos isto porque esta unidade de objetivo imediato não apaga as diferenças qualitativas que existem nestes dois partidos marcados na década e meia que passou desde a fundação do PSOL, quando Luciana Genero, Baba e Heloisa Helena foram expulsas do PT por não votarem a favor da reforma nas aposentadorias dos funcionários públicos. (O tamanho do PSOL pode ser medido em seu número de filiados, que seriam como simpatizantes, que chega a 200.000) É o partido que mais cresceu, com um bloco de 9 deputados e cerca de 20 mil membros ativos.

A expulsão dos radicais foi uma medida coerente com a política seguida pelo PT ao longo de seus 15 anos de governo. Meses antes das eleições que o levaram à vitória em 2002, publicou uma “carta ao povo brasileiro”, que na realidade foi uma carta aos banqueiros na qual ele prometeu cumprir todos os acordos e exigências do FMI. E ele os cumpriu. Foi um governo que desde o início incorporou altos representantes da burguesia em sua composição ministerial. Um importante produtor de soja (Roberto Rodrigues) foi ministro da agricultura, um ex-presidente do Bank Boston (Mierelles) administrou o Banco Central, um representante da indústria (Furlan) foi o secretário de indústrias, e o industrial mineiro José de Alencar foi seu vice-presidente. Foi um período no qual os bancos (capital financeiro) acumularam lucros enormes, e as grandes empresas de construção civil foram transformadas em multinacionais brasileiras que estenderam seus braços para a América Latina e África. Apenas um nome diz tudo: Odebrecht, a construtora que dominou a construção de grandes projetos na América Latina e em alguns países africanos, conhecida por sua prática de corrupção para vencer licitações.

Politicamente se aliou a dois velhos partidos burgueses que desde a queda da ditadura sempre estiveram no poder em todos os governos: o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) do vice-presidente da Dilma, Michael Temer, conhecido por liderar o golpe parlamentar contra ela, e o PP com quem compartilhou posições e concebeu regalias. Para além da manipulação que ocorreu para retirar os direitos de Lula com o Lavajato orquestrado pelo juiz Sergio Moro, existia corrupção e em grande escala, a ponto de alguns governadores aliados permanentes de Lula estarem em julgamento ou na cadeia.

O vento a favor que foi vivido nos países exportadores devido ao aumento do preço das matérias primas, que durou até 2011-2012, permitiu que os governos do PT fizessem concessões aos setores mais pobres, criando um programa de ajuda emergencial chamado “Bolsa Família”, que concedeu cerca de 50 dólares às famílias carentes. Também abriu o acesso à universidade para novas gerações de jovens. Estas foram medidas paliativas que, quando a crise começou na região, chegaram ao fim e forçaram o governo de Dilma Rousset a iniciar uma política de ajuste econômico. Com isso, o governo começou a perder prestígio em setores do movimento de massa.

A incapacidade de tomar medidas estruturais fundamentais começou a criar desilusão, ceticismo e rejeição dos métodos de uma casta política acomodada às vantagens do poder. Estas foram as bases objetivas que explicam a virada no movimento de massa e o terreno fértil para a busca de um salvador que se apresentou como anti-sistema. Foi aí que surgiu o Bolsonaro. Não pode explicá-lo se não também na desilusão com a degeneração do PT e seu consequente governo burguês. No Brasil, aconteceu o que também se passou em muitos países do mundo de uma maneira mais ou menos profunda. A extrema direita está no poder diante do fracasso dos governos progressistas nos quais os trabalhadores e o povo haviam colocado suas expectativas.

Um governo pró-fascista em um país em crise

As qualidades do profascismo de Bolsonaro são bem conhecidas e não se trata de repeti-las neste texto. A cada dia que passa um fato novo surpreende os olhos dos brasileiros e do mundo. Suas intenções, desde que tomou o poder, são de impor um regime autoritário ditatorial. Como dizem alguns de seus mais recalcitrantes apoiadores, “um governo militar presidido por Bolsonaro”, para quem o exército é “seu” exército. Embora Bolsonaro tenha progredido em algumas agendas, como afrouxar as exigências de compra de armas por exercício, ele não pôde dar o passo de qualidade rumo a uma mudança de regime ditatorial.

O governo é reacionário e quer fazer este regime mudar, dissolvendo os outros dois poderes (Judiciário e Parlamento), é um golpista e está tentando uma ditadura, mas não conseguiu e não parece ter hoje as condições políticas para fazê-lo. Após seu golpe de Estado em dois grandes eventos em 7 de setembro (Brasília e São Paulo) onde atacou duramente o STF (Supremo Tribunal Federal), no dia seguinte ele teve que recuar. Acontece que o parlamento e o Judiciário mantêm uma vida própria. No parlamento, a fim de evitar o impeachment, ele depende dos votos do chamado “centrão” (os partidos políticos de direita, especialmente o PP (Partido Popular), que já foi uma parte fundamental dos governos do PT. Estes deputados o apoiam não só porque são de direita, mas também e especialmente porque recebem benefícios econômicos e milhões por projetos em suas cidades, não olham favoravelmente para uma ditadura que acabaria com seus próprios privilégios. Eles o seriam se houvesse uma situação revolucionária no país, mas estamos longe disso.

O governo está enfraquecido aos olhos do povo. De acordo com as pesquisas, ela retém 25% da população. Esta tendência descendente está se consolidando à medida que o governo não resolve nada e os preços estão subindo enquanto os salários continuam estagnados. A crise econômica pode ser sentida e a crise social é profunda e não há sinais de melhoria no ano que antecede as eleições. Mas esta rejeição passiva generalizada ainda não foi transformada em uma irrupção mais contundente do movimento de massa. Os atos de unidade dos partidos de esquerda e dos sindicatos são importantes, mas não há uma erupção em massa como aconteceu no Chile. O povo parece estar esperando para poder derrotá-lo na arena eleitoral e a burguesia, embora tenha setores muito descontentes, não está preparada para jogar a carta do impeachment.

Tampouco Lula, que prefere desgastar o governo na convicção de que as eleições o levarão de volta ao poder. Entretanto, a imprevisibilidade é uma das marcas registradas da Bolsonaro que impregna a situação. Uma nova bravata pró-ditadura poderia levar o “Fora Bolsonaro” a ser posto diretamente em ação. Como diz Roberto Robaina em suas notas após o comício de 2 de outubro: “O dia 2, apesar da vitória representada pelo grito de Fora Bolsonaro tomando novamente as ruas após semanas de nenhuma ação nacional unificada, abriu um impasse. Pode ter o significado de ser a última verdadeira mobilização de massa a colocar Bolsonaro fora das ruas pela força e ter sido a primeira mobilização eleitoral. Ou poderia ser uma retomada, uma nova tentativa exigida pelas ruas pelo Fora Bolsonaro.” Essa é a incerteza de que estamos falando; com uma probabilidade crescente de estarmos diante da primeira opção, uma vez que não há sinais de uma irrupção do movimento de massa. Um impasse objetivo, com pressão em direção a uma saída eleitoral porque as massas não rompem, e Lula aposta nessa saída. Embora também possamos acrescentar que não é apenas que Lula está “esperando as eleições”, mas também que a CUT, seus sindicatos e as estruturas do PT perderam a conexão que tinham décadas atrás com o movimento de massa.

Esta é a estrutura política na qual o PSOL realizou seu sétimo congresso.

Unidade de ação e defesa de um programa anticapitalista

Neste contexto político em que esta situação instável está sendo vivenciada, a política defendida pelo MES tem sido a de assumir a liderança na unidade de ação para derrubar Bolsonaro. Foram os deputados do MES que em 2019 estiveram na vanguarda do primeiro impeachment que tiveram o apoio de importantes intelectuais e um milhão de assinaturas, o que infelizmente não foi apoiado pelo resto do PSOL e do PT. Um tempo depois, um pedido mais coletivo da esquerda para o impeachment foi alcançado; muito tempo perdido para aparecer como uma alternativa para aquele setor do PSOL que é majoritário na direção. Vale notar que foi graças a esta ação do MES que o PSOL apareceu naquela época como uma vanguarda e não mais tarde como um simples vagão dos partidos de oposição que fazem parte do regime.

O MES sustenta que, junto com a mais ampla unidade de ação possível sob o slogan Fora “Bolsonaro “, é necessário ter um programa anticapitalista na agitação da propaganda; em outras palavras, não se pode por um momento abandonar a estratégia socialista. Não se trata de atuar em agitação de massa com todo o programa, mas com consignas transitórias sentidas pelo movimento de massa diante da crise atual. Estabelecer um sistema de consignas que respondam às necessidades que só podem ser resolvidas atacando o sistema capitalista em algum setor. Por exemplo, se trata de pedir um congelamento de preços, mas não podemos nos limitar apenas a isso. Temos que encontrar slogans que mostrem que a crise tem que ser paga pelos ricos, que as grandes fortunas têm que ser tributadas, que o capital financeiro especulativo tem que acabar, que os bancos têm que ser nacionais e controlados pelos usuários a fim de dedicar os recursos à construção de moradias populares. Tomar o poder dos bancos para que deixem de ter lucros enormes e o dinheiro vá para a construção de moradias populares, para realizar uma auditoria da dívida pública, suspendendo seu pagamento.

Quem não puder participar de um comício com reformistas e burgueses sem sustentar consignas que mostrem nosso caráter de partido de classe acaba se diluindo. E como os anticapitalistas (neste caso o PSOL) são um partido logicamente menor em dimensão política e social em relação ao PT, o atual rumo da liderança majoritária significa que o PSOL acaba sendo conhecido ou reconhecido apenas como irmão ou sócio menor do PT. Isto leva à descaracterização total do partido, já que está a um passo de levar ao pensamento de que é melhor o original grande do que a cópia pequena. Consistente com esta política, o MES juntamente com o bloco de esquerda, levou ao Congresso a defesa do PSOL independente com sua própria candidatura no primeiro turno a fim de defender esta política.

O congresso mostrou um partido vivo de dois blocos políticos

O congresso foi realizado nos dias 25 e 26 de setembro. Desde essa data até hoje, surgiram os balanços das diferentes correntes. Este texto é baseado no texto escrito no mesmo domingo por Roberto Robaina, dirigente do MES, intitulado “PSOL: Um partido necessário e em construção”. Neste caso, ela se tornou mais explicativa tanto para a vanguarda e militância brasileiras quanto para toda a esquerda anticapitalista, interessada em conhecer os resultados do Congresso e os rumos que se desenvolvem.

O Congresso foi realizado em um formato remoto (online), com 402 delegados de todo o país, representando quase 51 mil filiados que foram às urnas para votar nas etapas municipais do processo. O congresso anterior, realizado quando o país ainda não estava sob o governo de Bolsonaro, reuniu 27 mil afiliados na base em sessões plenárias para debater as diferentes posições em discussão. Este congresso teve apenas sessões plenárias virtuais nas quais a participação foi baixa, 5.000 filiados. Isto por si só mostra o erro de realizar o congresso sob estas condições e a justeza de seu adiamento, conforme exigido pelo Bloco de Esquerda e outras correntes. Contraditoriamente, apesar desta participação muito baixa nos debates, 51.000 membros foram votar nas urnas físicas nas instalações designadas em todo o país.

Este número mostra que o partido está crescendo e que seu congresso poderia ter sido muito mais representativo e democrático se tivesse sido realizado quando as condições sanitárias permitiram sessões plenárias presenciais e não a simples votação nas urnas; uma votação passiva que se assemelha aos partidos burgueses e ao PT. Mas esta pressa em fazê-lo nestas condições precárias foi uma consequência da política da maioria da liderança que queria a todo custo, como veremos mais adiante, mudar a correlação de forças e estabelecer uma nova maioria de dois terços (70%) na liderança do partido.

Um balanço tem que ser rigoroso com os fatos, independentemente das diferentes posições. Este não foi o caso com o balanço apresentado pela maioria da direção. Se tomarmos o site oficial do PSOl (www.psol50.com…) veremos apenas várias das resoluções votadas em maioria, quando seria o dever da direção (seguindo a prática da democracia socialista e do marxismo) informar os votos majoritários e minoritários. Temos que descobrir os resultados das votações a partir dos relatórios das correntes, algumas das quais, como veremos, estão carregadas de falta de objetividade ou meias verdades, resultado de um balanço que justifica suas posições.

Duas posições opostas. A maioria já está com Lula na primeira rodada, mas a oposição ainda tem muita vida pela frente

Antes de mais nada, o congresso refletiu um partido vivo que está na encruzilhada de uma intensa controvérsia que ainda não foi totalmente resolvida. Havia dois blocos de confronto no congresso. Um bloco majoritário que obteve 56% dos votos na votação mais importante (para apoiar Lula no primeiro turno) contra 44% do bloco anticapitalista que defendeu que o PSOL no primeiro turno tinha que se apresentar com “cara própria” e para isso defendeu a pré-candidatura do deputado federal Glauber Braga para defender um programa anticapitalista perante as massas.
Vale dizer que aqueles que defenderam a política de apoio a Lula com uma frente esquerda não colocaram pontos programáticos para condicionar este apoio. Sua resolução diz: “…queremos um governo de esquerda, comprometido com os direitos sociais, o meio ambiente, a soberania nacional……”. E fala de “um arco de alianças e síntese”, declarações gerais como “justiça social” que são frases que seriam aceitas por qualquer partido de centro burguês como o PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), fiel representante da burguesia paulista, a mais forte do país. Sobre a dívida pública, salários, capital financeiro, tributação das grandes fortunas, nem uma palavra. ….. Haviam setores que antes do congresso condicionavam a formação de uma frente liderada por Lula ao levantamento de um programa anticapitalista, como escreveram em várias ocasiões os camaradas da Resistência.

A maioria fez do congresso uma prova de realpolitik. Eles sabiam que é impossível e um engano apresentar os temas desta forma. Porque é sabido que Lula não defende de forma alguma um programa de rupturas mínimas. Ele chegou ao ponto de fazer declarações dizendo que “tributar as grandes fortunas é errado porque elas iriam para para paraísos fiscais”, como se já não estivessem lá um terço delas segundo o Credit Swisse.

É correto levar a política da frente única sistematicamente sempre e quando haja possibilidades; alguma disposição ou “atitude para a frente unica” como Trotsky colocou em seus escritos sobre a Alemanha. Sem isso é para criar ilusões no movimento de massa, para dar sinais confusos que acabam fortalecendo os oportunistas. É como pedir laranjas da bananeira.

É bem sabido que Lula não quer uma frente de esquerda. Ele quer uma frente muito ampla que inclua setores da direita. Ele já deu passos nessa direção no Nordeste onde fez pactos com caudilhos do MDB e do PP, sendo este último a base fundamental do apoio de Bolsonaro. Ele está em busca de um vice-presidente burguês e neste sentido deu sinais para Luiza Trajano, proprietária de uma das maiores redes de venda de eletrodomésticos e vendas por internet do país.

A posição do Bloco de Esquerda deixou explícito que no segundo turno ele apoiará o candidato que enfrente Bolsonaro e se, como tudo indica, é Lula, apostará com toda sua militância em sua vitória. E acrescentamos em nossos argumentos que se houvesse o perigo de o genocida Bolsonaro vencer no primeiro turno, apoiaríamos a candidatura de Lula com nossos pontos de vista.

A posição do bloco tem sido consistente com a defesa de um PSOL com sua própria face, que desta forma pode apoiar as consignas e o programa anticapitalista que deriva do enfrentamento da crise. Além disso, e embora para nós não tenha o mesmo nível de importância, o PSOL precisa apoiar seus candidatos a deputados nacionais e estaduais com sua presença independente. Ele tem que superar uma cláusula de barreira que determina que, para se ter acesso ao fundo do partido, um partido precisa passar 2% do voto nacional e deve fazê-lo em pelo menos onze estados nos quais tem que ter um mínimo de 1,5%. Diluída no primeiro turno em uma frente, esta tarefa parece ser mais difícil, pois não há candidatura nacional para convocar uma votação.

Embora a resolução adie o voto de candidatura a uma convenção eleitoral que será realizada em abril de 2022, “Uma conferência nacional com os membros da Direção Nacional a fim de tomar decisões conclusivas ….” este parágrafo é contraditório com toda a resolução, deixa uma pequena janela aberta para que, como veremos mais adiante, o bloco de duas correntes que formou a maioria no congresso permaneça coeso. A realidade é que esta política de apoio a Lula no primeiro turno já está em andamento. Apesar de haver setores que se apoderam da conferência para dizer que há uma discussão em andamento, a resolução acaba sendo uma definição. Lula já é um candidato, essa é a realidade objetiva não objetável, e o PSOL o apoia, como disse o presidente do PSOL em suas declarações de página inteira nos dois jornais mais importantes (Folha de São Paulo e O Globo). Neles, ele declarou em termos inequívocos que o PSOL havia votado a favor da candidatura de Lula no primeiro turno. (https://www1.f…)

Participar de um governo Lula? A porta já está aberta

Se o voto para os marxistas é um problema tático importante, mas finalmente possível porque não prejudica os princípios, a participação em um governo de conciliação de classe não é a mesma coisa. Aqui estamos diante de um problema de princípio; a ruptura com a independência de classe. Confundir a tática de votar por um mal menor com a de se juntar a um governo com a burguesia é um salto de qualidade. Gerenciar um governo com setores burgueses foi o que levou à degeneração do marxismo desde que o mesmo aconteceu com a social-democracia francesa, mais tarde estendido a todos os partidos social-democratas. Algo semelhante aconteceu com a degeneração do III com Stalin: foi a política dos governos com a burguesia em grande parte dos países da Europa chamada Frente Popular.

E no congresso, assim como foi explicitada a firme intenção de votar em Lula, a porta foi deixada aberta para se juntar ao seu governo. De fato, o bloco majoritário que já havia votado em Lula se recusou a votar em uma resolução para não participar de um futuro governo Lula, que sem dúvida contará com a participação da burguesia, da mesma forma que o fez no governo anterior.

Os 56% que defenderam e aprovaram o apoio a Lula no primeiro turno apresentaram uma moção genérica dizendo: “Reafirmar a posição de não participar e não orientar a participação em governos de partidos de direita ou que promovam ataques aos trabalhadores e reproduzam a agenda liberal/conservadora e/ou aspectos autoritários. Uma minoria, neste caso de 43% (um delegado deixou de votar com a minoria), deixa as coisas evidentes. “Não participar em um governo Lula”. A resolução aprovada pelo bloco é uma generalidade abstrata, que permite que se concretiza a participação em um governo Lula. Pode-se dizer que o governo Lula não será de direita e este será o caso. É claro que Lula não será abertamente um governo de direita, será um governo que usa essa terminologia herdada da revolução francesa do centro, mas do ponto de vista social será um governo com a burguesia e para a burguesia, seja ela de extrema direita ou não. Já dissemos que Lula e seu primeiro governo foi “social liberal” e não há nada a dizer que tenha havido uma mutação nesse personagem. A conclusão é óbvia. A porta está entreaberta para participar como é o desejo da maioria do bloco que teve a maioria no Congresso.

Uma maioria de um bloco de duas correntes

Mas por que a maioria votou a favor desta generalidade abstrata? Foi uma definição que permitiu que todo o bloco permanecesse unido em todos os votos. Na verdade, o bloco majoritário é composto por dois agrupamentos diferentes. De um lado está o bloco PSOL Popular, onde estão as correntes Primavera Socialista, de Ivan Valente e o presidente reeleito Juliano Medeiros, e Revolução Solidária, de Guillermo Boulos, líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto).

A Primavera é uma corrente que, embora tenha suas origens no marxismo, tem defendido um programa “democrático popular”, não um anticapitalista. Até o “mensalão de 2007”, (um esquema de pagamento mensal que o governo do PT dava aos deputados do centro e da direita do centro a fim de ter os votos na Câmara dos Deputados) a Força Socialista (como a atual corrente Primavera se autodenominou), fazia parte do governo do PT com altos cargos no Ministério da Educação. Agora eles dirigem o gabinete do prefeito de Belém, onde não construíram nenhuma política diferenciada da do governador, que é do partido MDB de Michael Temer.

Por sua vez, a Revolução Solidária tem um programa de ação solidária comunitária popular; “solidariedade ou morte, a solidariedade deve reorientar profundamente a sociedade…”. Para um movimento social que apela à mobilização como o MTST como para os sem-teto ou Piqueteros isto pode ser suficiente, mas para uma corrente política dentro do PSOL isto é mais apagado que o próprio programa do PT em suas origens. (Na soma total Primavera teve 26% dos delegados e Boulos aproximadamente 18%.

Os outros agrupamentos que fazem parte do bloco majoritário estão no campo PSOL Semente, composto por duas correntes que fazem parte da IV Internacional (Insurgência e Subverta) e a Resistência, que é uma ruptura do PSTU e é a organização com o maior número de delegados das três, que juntos têm cerca de 15% (o resto dos votos são agrupamentos muito menores). Ou seja, o PSOL Semente é o fiel da balança em todos os votos, mas em nenhuma votação eles agiram independentemente no Congresso, nem agem independentemente no Comitê Executivo.

Nosso bloco “Por um Psol independente” tem como força mais numerosa o MES, (Movimento Esquerda Socialista, uma organização da IV Internacional, que tinha 21% dos delegados), Fortalecer o PSOL (8%), APS (Ação Popular Socialista, 5%), Comuna (também membro da IV Internacional, também perto de 5%) e outras correntes que juntas representaram 44% no voto político e 43% na liderança.

Um partido vivo

Elementos importantes emergem desta descrição do Congresso. O primeiro é que é um partido vivo, onde não há uma maioria consolidada, estruturada e homogênea que domine facilmente as estruturas partidárias. Os 44% significaram que a companheira do MES Mariana Riscali continua a ocupar a posição de tesoureira do partido, a segunda posição mais importante na liderança do PSOL.

Uma segunda conclusão é que existe uma força que não mantém uma estratégia socialista, mas sim a expansão dos espaços democráticos e a participação na institucionalidade (Primavera e Revolução Solidária) que tem menos da metade do partido.

E por outro lado, a análise mostra que as organizações que se dizem trotskistas estão divididas. As quatro organizações da Quarta Internacional no Brasil, muito importantes dentro da organização mundial, atuaram com posições distintas diante do problema crucial do governo. Subverta e Insurgência junto com a Resistência, e continuam a reivindicar o marxismo revolucionário. Acreditamos sinceramente que esta política do PSOL Semente tem sido um compromisso com o setor que já decidiu integrar o futuro governo (Primavera Revolução Solidária), para superar as tensões internas, ficar dentro do bloco majoritário e continuar na inércia de continuando a fazer parte do aparelho de direção que dirige o PSOL.

Dizemos que estamos diante de um partido vivo porque acreditamos que a última palavra não foi dita sobre o problema crucial da integração em um futuro governo. E porque temos a grande expectativa, quase certa, de que o campo PSOL Semente não cederá às pressões para governar. Que o que aconteceu com a Democracia Socialista, organização da Quarta Internacional no Brasil, que em 2003 assumiu cargos ministeriais no primeiro governo Lula, não se repita. Naquela época, haviam reservas programáticas para que um setor rejeitasse essa política junto com as lideranças do IV e se juntasse à construção do PSOL. Esperamos que a bandeira da independência política seja preservada, e que por isso novos processos e novos tempos possam ser vividos pelo PSOL para se afirmar na sua essência e se sustentar como um partido anti-capitalista que é também uma referência para o construção de alternativas independentes e desenvolver as que existem.

Pelos últimos parágrafos, parece que este é um texto dedicado apenas aos membros da Quarta Internacional. Não é nossa intenção. A vanguarda tem que saber o papel que estas organizações desempenharam e continuam desempenhando no Brasil, mas o PSOL não se reduz a eles; é um amplo movimento anticapitalista e apostamos que assim será. Assim o precisamos e assim é necessário construir em todos os países que pudermos.

Fonte

Pedro Fuentes