Sobre a libertação lésbica/gay

Apresentação

Os movimentos lésbico/gays experimentaram um crescimento numérico e geográfico considerável a partir do fim dos anos 60. Em alguns países conseguiram arrancar reformas significativas, enquanto que em outros ficaram à defensiva. Nos anos 80 surgiram movimentos lésbico / gays pela primeira vez em muitos países da Ásia, África e Europa Oriental, recuperam forças em países chave da América a Latina (México, Brasil e Argentina), onde tinham sofrido retrocessos e mobilizaram-se em diversas oportunidades centenas de milhares de pessoas na Europa Ocidental e América do Norte.

As lições chaves que aprendemos na nossa participação nesses movimentos e que se colocam neste texto som as seguintes:

1. A opressão que enfrentam as pessoas lésbicas, gays, bissexuais transgenêricas (lgbt) é uma realidade em todos os países. A associação do HIV com a homossexualidade levou a uma estigmatização mundial das relações sexuais entre homens e dos atos sexuais por fora da família monogâmica e heterossexual. A sexualidade em geral é uma questão política.

2. O vínculo entre a opressão das pessoas lgbt e a opressão das mulheres é chave para a nossa compreensão e as lutas pela libertação de ambos movimentos estão estreitamente relacionadas.

3. Defendemos a necessidade de movimentos autónomos de pessoas lgbts porque entendemos que a opressão não pode ser derrotada sem a organização deles mesmos.

4. Ainda que lutemos por uma compreensão da relação entre os combates lésbico / gays e o movimento operário, evitamos subordiná-lo a qualquer outro movimento.

5. Lutamos por um enfoque internacionalista da questão. As pessoas lgbt são oprimidas em toda a parte, ainda que de formas diferentes. O movimento precisa organizar-se internacionalmente e em solidariedade com os mais oprimidos.

6. Para realizar essas tarefas devemos colocar em ordem a nossa própria casa: a esquerda revolucionária. Isso requer diversas mudanças nas nossas organizações. Algumas

esquerdas lésbico/gays sustentaram um esforço enorme para conseguir a compreensão e o apoio do movimento operário. Eles enfrentaram a incompreensão e os preconceitos de todas as correntes da esquerda a partir dos anos 70. Os partidos social-democratas e os movimentos operários em geral não responderam bem no que diz respeito à liberdade sexual. No entanto, os esforços por estabelecer vínculos com o movimento operário por parte de alguns esquerdistas lésbico / gays obtiveram alguns sucessos, quase desde os inícios do movimento lésbico / gay no fim do século XIX.

Durante as primeiras décadas do século XX, as reivindicações do Comité̂ Científico Humanitário da Alemanha (fundado em 1897) e outras organizações que lutavam pela “reforma sexual” eram frequentemente aprovadas pelos partidos socialdemocratas e comunistas (quase nunca pelos partidos burgueses da época) e, entre os governos daqueles anos, só́ a Rússia Soviética dos bolcheviques. Inclusive entre eles não podia-se contar com benevolência, como podemos ver pelas obras da Kollontai. A vitória do stalinismo na União Soviética anulou muitas conquistas no terreno da emancipação das mulheres e da sexualidade e intensificou os preconceitos anti-homossexuais em quase todas as correntes stalinistas e pró-maoistas da década dos 30 até os anos 80. A aparição do movimento lésbico / gay ao final dos anos 60 e princípios dos 70 na Europa Ocidental e em todo o continente americano coincidiu com o ressurgimento de uma esquerda radical e revolucionária. O feminismo, particularmente o socialista, foi fundamental no auge do movimento lésbico / gay como parte de um desafio mais amplo à sociedade.

Este documento 1) define as bases da adesão do marxismo revolucionário à liberação lésbico / gay; 2) coloca as posições da Quarta Internacional em relação com alguns assuntos chave dessa liberação; 3) define nossas táticas na construção desses movimentos e 4) sugere como essa liberação pode e deve refletir no perfil público e na vida interna de nossas organizações.

Primeira parte
Os fundamentos da opressão

 

1. Ainda que o grau de perseguição e tolerância varia segundo o país e região, em nenhuma sociedade capitalista existe hoje uma igualdade ou uma liberdade plena para as lésbicas, os homens gays, os bissexuais ou os transgenéricos (ou seja todos aqueles cuja identidade de género contrasta com seu sexo biológico, incluindo travestis, transexuais e todos aqueles cujas identidades têm suas raízes em culturas aborígenes). A opressão que enfrentam, o heterosexismo, é similar ao sexismo “manifestado em todos os âmbitos - a partir da política, o emprego, a educação até os aspetos mais íntimos da vida cotidiana” – segundo a resolução sobre a libertação das mulheres adotada pela Quarta Internacional em 1979.

 

2. O heterosexismo tem sua raiz na família heterossexual e patriarcal, instituição característica do capitalismo. A família é “a instituição socio-económica principal para perpetuar, de uma geração à outra, as divisões de classe na sociedade” – citando novamente a resolução de 1979 sobre a liberação feminina. A forma em que se desenvolveu no capitalismo “proporciona o mecanismo menos custoso e mais aceitável em termos ideológicos para reproduzir a mão-de-obra humana” – empregando especialmente mão-de-obra feminina não remunerada no cuidado das crianças e dos idosos, junto com as de adultos em idade de trabalhar e “reproduz em seu seio as relações hierárquicas e autoritárias necessárias para sustentar a sociedade de classes em geral”. Esta forma de família é opressiva especialmente para as mulheres e as crianças. Ela ocupa um papel central nestas relações, pois a família, na sociedade capitalista reproduz de forma mais ou menos adaptada, de uma geração à outra, o amor heterossexual, que supõe-se que atua, em última instância, como a base do matrimónio e da criação de novas famílias e o amor paternal, que supostamente funciona como o nexo que une os adultos com seus filhos biológicos num vínculo que combina o afeto com a responsabilidade e a autoridade.

Ainda que a sociedade está organizada de tal forma que se supõe que muitas necessidades básicas serão satisfeitas pela família heterossexual, todos os que se encontram marginados ou optam por viver fora dela enfrentam problemas na satisfação das suas necessidades. Esta forma de família sob o capitalismo pressupõe e reproduz uma norma heterossexual que resulta opressiva para qualquer pessoa que se afaste dela. Enquanto que o amor heterossexual serve como a base do estabelecimento da família, as pessoas cujas vivências emocionais giram principalmente em torno do amor por pessoas do próprio sexo, tendem a ser marginalizados da vida familiar.

Enquanto a família heterossexual é o local central para a criação de meninos e meninas. As pessoas lésbicas/gays/bissexuais/transgenéricas (lgbt) experimentam uma alienação maior que a que sofrem as outras crianças e jovens – os que também experimentam uma alienação respeito à família – os adultos que não casarem estão excluídos do cuidado das crianças e o contato deles com adultos e com outras crianças que não são parentes será́, frequentemente, limitado. Enquanto só́ o desejo e o romance heterossexuais orientem o consumo capitalista, as pessoas lgbt permanecerão invisíveis. As leis repressivas e a discriminação social generalizada reforçam esta operação em quase todo o mundo, mas a sua eliminação não pode ser conseguida simplesmente através do combate contra a discriminação social e a revogação das leis repressivas.


3. Para milhões de pessoas no mundo atual – especialmente, mas não exclusivamente nos países dependentes – o erotismo para o próprio sexo só́ pode ser experimentado esporadicamente, à margem da sua vida familiar heterossexual, em geral de forma oculta para as pessoas com as que convivem, sejam pais ou cônjuges do sexo oposto. Milhões de mulheres casam para sobreviver por suas limitadas opções sociais e económicas; também existem estas pressões acima dos homens, ainda que menos fortes. Para milhares e milhares de mulheres e homens a falta de apego à norma heterossexual é acompanhada com a evidência flagrante e inocultável da sua incomodidade com as normas de masculinidade ou feminilidade dominantes, o que faz muito difícil ou quase impossível representar papéis heterossexuais. Milhares de pessoas transgenéricas que não podem ou não querem integrar- se na estrutura familiar heterossexista e viver como mulheres ou homens chamados de “normais” são expulsos em direção às margens extremas do mercado de trabalho e da sociedade e, muitas vezes, forçados a sustentar-se com a prestação de serviços sexuais remunerados ou outras ocupações estigmatizadas, confrontadas com o estigma social e inclusive com a violência física. Muitas pessoas lgbt sofrem em todo o mundo a repressão de maneira cotidiana e isso implica cárcere, violação, tortura e assassinato.


4. Às vezes, o heterossexismo asume formas específicas muito virulentas nos países dependentes. Os conquistadores europeus dos séculos XVI ao XX proclamaram muitas vezes a necessidade de desterrar a “sodomia” como uma justificação ideológica da conquista e a dominação sobre outros povos. Muitos países que hoje são formalmente ou politicamente independentes mantém as leis contra a homosexualidade impostas pelos seus antigos governantes coloniais. Muitas vezes se justifica a manutenção de leis, políticas e costumes opressivas com base em algumas crenças religiosas – inclusive as cristãs, muçulmanas, e hindus – tanto nos países dependentes como nos imperialistas. Esta opressão é exercida a través da autoridade - sobre a vida familiar e pessoal – de funcionários religiosos ou civis nos países onde ainda não se obteve a separação entre a igreja e o estado. Em muitos casos a direita religiosa e os fundamentalistas argumentam que o código “moral” que eles defendem forma parte integral do tecido social tradicional das sociedades nas que desenvolvem suas atividades. No entanto, muitas das suas práticas mais reacionárias, especialmente as dirigidas contra as mulheres e os “desvios” não têm raízes tradicionais, suas origens são mais bem modernas. Um segundo mito ideológico crucial é a idéia de que a homossexualidade nestas sociedades é parte da herança negativa deixada pelo imperialismo.

Argumentando a favor de uma compreensão materialista da definição das identidades modernas lésbicas e gays como produto da industrialização e a urbanização, se promove também uma compressão da história de outras formas de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo praticadas em culturas tradicionais.

A ausência ou a falta de desenvolvimento de estados benfeitores patrimonialistas e os baixos níveis salariais nos países dependentes tendem para reforçar a dependência nas famílias tradicionais. Particularmente nas zonas rurais, a ausência de organizações políticas e alternativas sociais não tradicionais pesam contra o não-conformismo. A Quarta Internacional compreende que a organização de lgbt nessas circunstâncias representa uma parte importante do projeto inteiro de liberação nacional, que implica necessáriamente um desafio, não só́ contra o imperialismo, mas também contra as estruturas de poder civis e religiosas. A participação pública dos lgbt nas lutas democráticas em vários países latino-americanos, sul-africanos e sul-asiáticos mostram como a liberação lésbica/gay e a liberação nacional podem marchar juntas.


5. Só́ a conquista de salários substancialmente superiores e o surgimento dos estados benfeitores no curso do século XX abriu a possibilidade, em escala massiva, de que pessoas do proletariado pudessem viver sem depender de suas famílias, sem que fosse necessário contrair matrimónio é formar uma nova família tradicional, de manter uma relação emocional e sexual importante e de longo prazo com pessoas do seu mesmo sexo e de

identificar-se e formar parte de comunidades lésbico-gays permanentes. Ao mesmo tempo, o matrimónio heterossexual sustenta-se progressivamente no atracão sexual e no amor romântico, ainda que continua existindo muita pressão para o casamento e os matrimónios de conveniência continuem sendo a norma em muitos países.

Especialmente nos países imperialistas e particularmente entre os homens, as vidas gays são mantidas até certo ponto, no ambiente comercial, que é a maneira capitalista de responder às necessidades das pessoas lgbt de lugares de encontro e para uma convivência e social. Onde o ambiente comercial se expandiu mas continua limitado o espaço para as pessoas lgbt, elas podem viver livremente na sociedade na qual esse ambiente está implantado, o resultado é contraditório. É um passo à frente que as pessoas lgbt tenham a possibilidade de mostrar sua sexualidade neste contexto, mas é inaceitável que isso não seja assim no resto da sociedade. Em muitos casos, a existência do ambiente impulsionou o desenvolvimento lésbico/gay.

Outro assunto é o fato de que o próprio ambiente é muito limitado na forma em que permite o relacionamento entre as pessoas, ainda que ficou mais diversificado na medida em que foi ampliado. Em geral permanece dominado pelos homens e perpetua imagens de atrativo sexual que são degradantes para os idosos e as raças consideradas inferiores. Em outras palavras, apresenta o sexo como mercadoria que não fornece um clima em que as pessoas possam relacionar-se muito facilmente como seres humanos. As redes informais, os clubes, os centros comunitários e os grupos de ativistas que são o resultado da organização dos próprios lgbt oferecem algumas alternativas perante a alienação do ambiente comercial, mas falta neles a notoriedade, o brilho e os recursos do ambiente comercial. As comunidades lésbico/gays, que incluem mulheres e homens de todas as classes que se identificam como lésbicas ou gays e junto com as identidades e subculturas que surgiram de maneira paralela, serviram de plataforma de lançamento dos movimentos lésbico/gays. Grande parte da subcultura lésbico/gay foi acusada com base na sua alienação, mas quando esta crítica vem dos médios de comunicação ou da direita, se ignora o fato de que no capitalismo toda a sexualidade se apresenta cada vez mais como uma mercadoria. Os movimentos lgbt têm uma tendência para lutar contra das leis ou medidas políticas ditadas especificamente para reprimir a sexualidade entre pessoas do mesmo sexo ou na própria pessoa dos lgbt e a favor de leis que proíbam certas formas de discriminação e de outras que reconheçam as relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo, com o mesmo valor e o mesmo tratamento que recebem as relações heterossexuais.

 

6. A partir da década dos 70, em muitos países a relação da juventude com sua sexualidade experimentou grandes mudanças contraditórias. Os tabus relacionados com a sexualidade das e dos jovens têm uma tendência a debilitar-se, seus corpos e sua sexualidade atingem uma notoriedade maior nos médios de comunicação e a publicidade comercial tende a explorá-los cada vez mais para vender seus produtos. Os retrocessos provocados pela pandemia da AIDS e o surgimento de um novo moralismo retrógrado não detiveram essa tendência. Mas a sexualidade dos jovens continua reprimida, especialmente a das mulheres ê os jovens lgbt. As crianças e os adolescentes são pressionadas nos seus próprios lares e na escola para que se comportem de acordo com os papéis de género aprovados sexualmente. Os preconceitos como sentir vergonha do próprio corpo e o medo à transgressão são parte essencial da educação informal que recebem. Talvez mais do que nunca os jovens carecem das condições materiais necessárias para exercer livremente a sua sexualidade. O desmantelamento de programas sociais aumentou a dependência dos jovens com respeito às suas famílias. Muitas vezes só́ existem centros de reuniões comercias, dessa forma ficam excluídos aqueles que carecem de recursos económicos. Ainda há́ restrições para o acesso dos jovens à informação sobre sexualidade, os contracetivos e a forma de usá-los. A falta de preservativos e de informação sobre a sexualidade é uma questão particular no que diz respeito à transmissão da AIDS e de outras doenças sexualmente transmissíveis. Ao mesmo tempo em que ficaram mais comuns as referências à homossexualidade nos médios de comunicação de muitos países, estas referências são frequentemente distorções e estereótipos. Ainda que a juventude tem a tendência para ser cada vez mais aberta que em gerações anteriores, o processo de “mostrar a cara” é muito doloroso, inclusive nas culturas mais tolerantes, como está demonstrado pelo alto número de suicídios entre jovens lésbicas e gays.

 

7. “Hoje – diz a resolução sobre liberação das mulheres de faz mais de vinte anos – perante os problemas económicos cada vez mais graves, a classe governante está cortando o gasto social para devolver a responsabilidade a cada família individualmente”. As décadas posteriores à publicação deste texto só́ viram o agravamento desta situação.

Junto à estagnação ou retrocesso nos níveis salariais e a maior desemprego, estes cortes ameaçam conquistas básicas, no que diz respeito à moradia, atenção medica, cuidado das crianças e outras formas de assistência social necessárias para que as pessoas lgbt possam viver e sustentar suas comunidades em condições dignas, independentemente das suas famílias heterossexuais. As consequências desta política foram especialmente devastadoras para as comunidades em formação nos países dependentes, isso se manifestou a partir de 1982 na América Latina e no Leste e Sudeste Asiático desde 1997 e dão novas forças à ideologia tradicional favorável à família. Onde existem movimentos lésbico/gay, eles devem participar em condições de igualdade nas lutas de resistência à austeridade capitalista, esses movimentos de resistência devem levantar as demandas específicas das pessoas lgbt por serviços públicos.

 

Parte II
Nossas posições

 

8. A partir da radicalização de fim dos anos 60, os ativistas têm colocado a necessidade de ir além das lutas pelos direitos lésbico/gay e exigir a liberação plena, o que implica a abolição da família capitalista como instituição. Ainda que esta proposta tenha perdido terreno, a Quarta Internacional coloca que a igualdade e a liberdade plenas para as pessoas lgbt implicam que a sociedade assuma de conjunto as funções da família o

que só́ poderá́ acontecer depois da derrubada do capitalismo. Apoiando as lutas pelos direitos lésbico/gays tentamos construir pontes entre as demandas atuais e o objetivo último da plena libertação lésbico/gay, compreendido como um elemento vinculado com o objetivo da revolução socialista.

Na medida em que aprofundamos nossa visão da sociedade socialista pela qual lutamos, tentaremos incorporar a idéia da libertação lésbico/gay. Opondo-nos às concepções limitadas e opressivas da masculinidade, da feminilidade e a sexualidade trabalhamos por uma sociedade na qual o género não seja uma categoria central para a organização da vida cotidiana e onde os conceitos da “heterossexualidade” e a homossexualidade, na medida em que possam continuar existindo, não tenham consequências legais e económicas. Lutamos para conseguir que a sociedade assuma de

diversas maneiras as múltiplas funções da família atual, para que a responsabilidade seja coletiva, comunitária no cuidado das crianças e os doentes, para que seja construída uma economia que não pressione os povos para emigrar de suas comunidades locais, para que existam formas variadas de lares e de cooperação nas comunidades e por formas diferentes de amizade, de solidariedade e de relações sexuais.

 

9. Na maioria das culturas, a sexualidade e a atividade sexual continuam sendo abordados – como aspetos da nossa existência enquanto seres humanos – como potencialmente perigosos ou como assuntos que incumbem exclusivamente à sociedade e não ao indivíduo. No entanto, os avanços nas técnicas de controle da reprodução nos anos 50 e 60 foram um grande impulso para as aspirações pela liberação sexual ao separar ainda mais a sexualidade da reprodução. Surgiu uma radicalização cultural entre os jovens e os estudantes nos países imperialistas nessas mesmas décadas, radicalização que começou a criticar entre outras coisas, a classificação tradicional de gêneros. Estas novas críticas da cultura tradicional trouxeram novos enfoques sobre a sexualidade.

As lutas pelo direito ao aborto, assim como as lutas pelos direitos lésbico/gays criticaram de maneira direta o conceito tradicional que define o sexo aceitável como o equivalente à reprodução, o matrimónio e a família.

As novas perspetivas sobre o sexo e a sexualidade promoveram uma nova valorização do prazer sexual em geral, especialmente para as mulheres.

Quando o movimento das mulheres exigia maior informação e serviços sobre a saúde reprodutiva e sexual, o fazia com a idéia fundamental de que as mulheres são seres sexuais que devem ter direito ao prazer sexual e ao controle sobre suas relações sexuais, que historicamente estavam reservados para os homens. Uma das mensagens centrais que se transmitiu na luta pela autonomia sexual das mulheres foi de que não existe um único caminho para o prazer sexual, mas uma amplia gama de possibilidades.
A libertação lésbico/gay é parte da libertação sexual mais ampla pela qual lutamos. Tentamos liberar a sexualidade humana do que a resolução de 1979 sobre a liberação das mulheres chamava de "o quadro da compulsão econômica, dependência pessoal e repressão" que ainda se mantém. A livre atividade sexual se justifica por si mesma como consensual e prazerosa para todos os que participam nela. Lutamos por uma sociedade na que nossos corpos, desejos e emoções não sejam coisas sujeitas à compravenda, onde a gama de opções para todas as pessoas - mulheres, homens, seres sexuais, jovens e velhos - seja ampliada enormemente e as pessoas tenham a oportunidade de desenvolver novas formas de desenvolvimento sexual, vivendo, trabalhando e criando as crianças de maneira coletiva. É impossível para nós, que estamos formados pela sociedade alienante na que vivemos, imaginar como se desenvolveria a sexualidade nes e ambiente, e por isso é importante evitar fazer previsões baseadas nas nossas próprias aspirações individuais.

 

10. As primeiras batalhas dos gays e as lésbicas que lutam e lutaram, eque é proporcionaram o ímpeto para a formação de movimentos lésbico/gays politicamente ativos são as ações contra a perseguição policial da homossexualidade. O motim de Stonewall em 1969 em Nova York, que é o ponto de referência para fixar o início do movimento lésbico/gay em todo o Ocidente, consistiu em apresentar resistência física contra as incursões policiais em bares onde as lésbicas, gays, bissexuais e transgenéricos se reuniam. Ainda existem vários países onde se proíbe legalmente a homossexualidade. No Oriente Médio, África e Ásia, os países que não proíbem a homossexualidade são raros. Em vários estados dos EUA se proíbem as relações anais e orais, tanto entre heterossexuais como entre homossexuais; em alguns outros estados são proibidos os relacionamentos homossexuais, sejam elas anais ou orais; muitos outros países, inclusive na América latina e na Europa não proíbem explicitamente a homossexualidade, mas utilizam o “escândalo público" como pretexto para a exclusão das pessoas lgbt. Às vezes existem leis contra a "promoção homossexual" ou a "procura de contatos homossexuais". Os conceitos legais usados para perseguir as pessoas lgbt são tão imprecisos quanto o conceito de “indecência”. A experiência demonstra que os juízes enxerga mais frequentemente “indecência" entre homossexuais que entre heterossexuais. Apoiamos as demandas de rejeição às leis anti-gays, às políticas policiais discriminatórias e às práticas que as acompanham.

A batalha inicial pela legalização da homossexualidade foi ganha, mas outras leis discriminatórias de criminalidade precisam ser mudadas. Por exemplo, vários países ditaram leis especiais para "proteger" aos menores de idade da homossexualidade. A partir do dogma que os jovens e as jovens podem ser “influenciados” ou “seduzidos por homossexuais”, estabeleceram uma idade legal superior para o consentimento de contatos sexuais entre pessoas do mesmo sexo. Atualmente, na União europeia, Áustria, Inglaterra e

Irlanda ainda são elevadas as idades legais de consentimento de contato sexual entre pessoas do mesmo sexo. Apoiamos a demanda do movimento lésbico/gay de que a idade de consentimento de contato sexual entre pessoas do mesmo sexo deve ser reduzido para a idade legal de consentimento para contato sexual heterossexual onde quer que exista este tipo de discriminação.

 

11. Junto com o a luta contra a criminalização legal, vários movimentos lésbico/gay em diferentes países estão lutando por leis que explicitamente proíbam qualquer discriminação em base a orientação sexual. África do Sul ocupa um lugar de destaque: a partir da adoção da sua nova constituição inclui nela (como as constituições de Equador e Fiji) a proteção contra a Discriminação por orientação sexual. Nós apoiamos a batalha legal e constitucional para proibir a discriminação anti-gay.

A importância deste combate não deve ser subestimada. A batalha para conseguir proteção legal contra a discriminação abre uma grande oportunidade para desafiar a condição de “segunda classe” e de marginal das pessoas lgbt. Isso reforça de forma contundente o argumento pela igualdade, porque a resistência a ele estaria fundamentada numa tentativa de justificar a discriminação. Também essa batalha orienta-se em direção a fazer campanha nos processos políticos.

Apoiando e defendendo essas campanhas, os socialistas devem entender também que conseguir a proteção legal não modifica em si a discriminação e o preconceito. A campanha proporciona uma oportunidade para explicar o fundamento social da opressão e a necessidade de mudar a sociedade – e não apenas as leis – para conseguir essa mudança. É importante compreender o impacto produzido ao conseguir a proteção legal e, em consequência, o incremento da confiança das pessoas lgbt. Igualmente se consegue uma maior abertura para a problemática da sexualidade, por exemplo no trabalho. Isso vai ter, com o tempo, um peso significativo para mudar preconceitos públicos e transformar a percepção de outros problemas de discriminação contra as pessoas lgbt. Há́ também uma clara conexão entre os movimentos de mulheres e suas conquistas e o direito à igualdade das pessoas lgbt.

Quando a transformação legal esteja assegurada vai ser necessário desenvolver campanhas para aplicar e lei de forma eficaz. Isso pode ser feito supervisionando a efetividade dessa lei e dirigindo as campanhas para áreas de resistência identificadas.

 

12. Uma das áreas chave é o reconhecimento da igualdade lésbico/gay no movimento trabalhista, especialmente nos sindicatos. As campanhas encontraram eco nos sindicatos. Em diferentes épocas as trabalhadoras e trabalhadores lésbico/gays organizaram-se para desafiar seus sindicatos a reconhecer suas demandas específicas e para assegurar um lugar nas agendas dos sindicatos mais progressistas. Duas demandas relacionadas são as mais significativas: ganhar o reconhecimento dos direitos no trabalho e o direito firmemente reconhecido de ter sua própria organização dentro do sindicato. O sucesso da segunda demanda foi com frequência necessário para avançar em direção à primeira. Se fizeram alianças com outros trabalhadores: mulheres, portadores de deficiência ou comunidades minoritárias, cujas necessidades foram tradicionalmente ignoradas pelas lideranças reformistas.

A luta têm uma importância particular para os revolucionários e revolucionarias pois ela desafia a divisão existente entre os temas “económicos e políticos” e ajuda “à classe trabalhadora para pensar em termos sociais amplos” (resolução de 1979). A demanda do direito à organização independente foi resistida tanto pela direita como pela esquerda reformista, argumentando que divide o movimento. Devemos responder, pelo contrário, que é a exclusão marginalização dos trabalhadores lésbico/gays o que produz a divisão e que a autoorganização deve ser reconhecida como fundamental para avançar em direção à integração em todas as secções da Internacional de membros lgbt.

As demandas particulares dos direitos no trabalho, o estado legal dos homossexuais e as condições de cada indústria em particular, variam em cada país. Algumas das principais reivindicações podem ser:
· Proteção contra as demissões injustificadas, recrutamento discriminatório e a negativa a outorgar promoções, etc.
· Proteção contra a perseguição no aspeto sexual por parte dos empregadores ou companheiros de trabalho.
· Direito aos benefícios dos trabalhadores heterossexuais. Por exemplo, o direito à licença- paternidade e aos casais de trabalhadores e trabalhadoras, como o de viajar para os que trabalham na indústria do transporte.
· Acesso equitativo aos benefícios como pensão e planos de seguro. · Reconhecimento de que as lésbicas e homens gays possam ter direito ao cuidado dos filhos.

É necessário também vincular essas demandas com a reivindicação que o sindicato apoie ativamente a luta pelo reconhecimento das pessoas lgbt mais amplamente na sociedade. Por exemplo, conseguir que o sindicato se mobilize em apoio às pessoas lgbt a través de campanhas ou em solidariedade a outras atividades da comunidade como a Marcha do Orgulho.

Uma parte essencial desta luta é avançar além da aceitação da estrutura auto- organizativa para que estas reivindicações sejam integradas nas questiones de todo o sindicato. Isso requer um trabalho a longo prazo para transformar as culturas dominantes em muitos sindicatos e só́ terão sucesso assegurando firmemente alianças entre outros grupos de trabalhadores.

Devemos também permanecer alertas perante a constante possibilidade de que estas demandas – que não são revolucionarias em si mesmas – possam ser satisfeitas num quadro reformista. As lideranças mais espertas dos sindicatos souberam manobrar a integração aceitado-a, mas na realidade, cooptando e desarmando para manter um total domínio. Para isso é necessário pressionar firmemente para que o sindicato assuma um papel ativo na campanha da problemática lésbico/gay, o que o leva a comprometer-se na atividade massiva, e continuar mobilizando aos trabalhadores lgbt pelas suas reivindicações próprias, sem deixar que alguns “amistosos” burocratas se apropriem de suas conquistas e as utilizem para dividir à classe.
 

13. Em oposição à gritaria que clama pela proteção das pessoas jovens dos perigos da sexualidade, de suas imagens nos médios de comunicação, nós acreditamos que uma maior informação e autonomia são as melhores ferramentas para “proteger” os jovens. Isso é indispensável para a liberação sexual das pessoas, assim como a conscientização e a livre eleição das pessoas jovens. Eles também podem ajudar aos jovens lgbt para encontrar a identidade sexual e viver uma vida que se adapte melhor a eles, ao mesmo tempo que apoiam a resistência ao conformismo com os estilos de vida de lésbicas e gays existentes. A educação sexual na escola deve integrar a opção de sexualidade do mesmo sexo, dando enfâse ao prazer e à diversidade, livre acesso à anti-concepção e condições para a emancipação da juventude. Estas reivindicações são imediatas e devem ser exigidas ao Estado tanto nos países imperialistas como nos dependentes. Ao mesmo tempo que reivindicamos uma idade legal para o consentimento de contato sexual com membros do

mesmo sexo, nos opomos à repressão à exploração sexual consentida entre jovens de aproximadamente a mesma idade legal.
 

14 Imigrantes e pessoas negras precisam de ser acolhidos e incluídos em organizações lésbicas/gay em países imperialistas. Isto exigirá uma luta consciente contra o racismo nestas organizações. Além disso, apoiamos a auto-organização própria e autónoma dos LGBTs negros e imigrantes dentro das comunidades minoritárias caracterizadas por formas particulares e múltiplas de opressão e discriminação. Procuraremos permanentemente alianças com eles sem procurar impor-lhes um modelo de emancipação. Opor-nos-emos à utilização da questão dos direitos das lésbicas/gays para estigmatizar os imigrantes muçulmanos no contexto da "guerra ao terrorismo", enfatizando o aumento da auto-organização entre LGBT de origem muçulmana e as tradições homoeróticas indígenas do mundo islâmico.

 

A existência de ligações entre grupos de imigrantes LGBT e os países de origem dos seus membros (através da Internet, visitas, etc.) tornou igualmente possíveis acções concretas de solidariedade internacional, e pode por vezes facilitar a criação de grupos LGBT em países dependentes.

 

15. Na metade da década dos 70 surgiu em grande parte do mundo desenvolvido, especialmente nos USA, uma reação de direita dirigida contra as conquistas do movimento feminista e lésbico/gay. As organizações extremistas conservadoras, bem financiadas, de forte militância religiosa, desenvolveram agendas políticas contra problemáticas sexuais que afetam às mulheres, à comunidade lgbt e a juventude. Várias dessas organizações de direita e seus simpatizantes converteram as pessoas lgbt em alvo da intimidação física e, em alguns casos, de extrema violência, frequentemente instigadas pela retórica viciosa do ódio homofóbico. A força dessa reação direitista tem influenciado grande parte do mundo subdesenvolvido contra as conquistas dos movimentos sociais dos anos 60 e não deve subestimar-se.

Junto com a sua forte condena ao racismo e a xenofobia, os movimentos antifascistas devem também denunciar fortemente e organizar a militância contra a violência anti gay que está presente na sociedade. De igual maneira os movimentos lésbicos/ gays deverão procurar uma coordenação com outros setores da sociedade atacados pela direita tais como os imigrantes, os jovens, as pessoas de outras raças e a esquerda política para lutar mais eficazmente contra o inimigo comum: a direita religiosa e o fascismo.

Desafiando o poder político e as campanhas anti gay das igrejas católica, ortodoxas orientais e grupos protestantes evangélicos, os movimentos lésbico/gay deverão aliar-se com outros para lutar pela separação completa entre a religião e o Estado.

Especialmente em países onde as pessoas lgbt são reprimidas cruelmente, é necessário fazer alianças com organizações que lutam pelos direitos humanos em geral e que incluem a problemática das pessoas lgbt como mecanismo útil para começar uma organização lésbica/gays. Levando em consideração o nível de repressão em alguns países, nós apoiamos o direito de asilo para as pessoas lgbt que são percebidas, ameaçadas ou simplesmente não podem viver nos seus países de origem devido à sua orientação sexual.

 

16. A partir da identificação pela primeira vez da Aids entre os homens gays nos EUA em 1981, a associação entre HIV e homossexualidade produziu a estigmatização global das relações sexuais entre homens, colocando novamente a homossexualidade como uma patologia. Mas também nas respostas necessárias ao HIV em vários países permitiram novos espaços sociais e políticos, isso se expressou particularmente nos desafios ao poder do establishment médico, um questionamento da forma em que as autoridades desempenham suas responsabilidades com respeito à saúde pública e a demanda de que sejam as próprias pessoas portadoras da Aids as que exerçam o controle sobre a saúde pública. Isso também possibilita um aumento dos recursos para o desenvolvimento de organizações de gays e mais a abertura da discussão pública sobre a sexualidade e as práticas sexuais. Em vários países, uma nova geração de ativistas lésbico/gays tanto por sua idade como por seu processo e radicalização encabeçou a defesa e organização dos serviços educativos sobre Aids enquanto que as comunidades gays tomaram para si a responsabilidade do cuidado e do luto. A experiência do ativismo gay o levou à liderança das organizações de pessoas portadoras do HIV e as organizações de gays e lésbicas realizaram alianças de ativismo com trabalhadores e trabalhadoras sexuais e usuários de drogas injetáveis.

A Aids é a quarta causa principal de mortes no mundo. Na África é a causa principal da morte. Nos países africanos e asiáticos onde a epidemia do HIV é mais intensa, as relações heterossexuais sem proteção - e não as relações sexuais entre homens sem proteção - são responsáveis da grande maioria das infeções. Ainda mais, na África Ocidental e sul, na América Latina e no sul da Ásia, as comunidades gays estão sofrendo aumentos nos níveis de infeção doença e mortalidade.

A luta global contra o HIV requer vincular várias dinâmicas e lutas: - Contra o estigma, a discriminação e o isolamento,
- Contra o heterossexismo e o sexismo
- Contra o racismo e o imperialismo,

- Por direitos democráticos e pelo direito à organização autónoma dos grupos oprimidos,
- Contra a censura e contra o controle religioso da educação e dos serviços sociais e de saúde,
- Pela derrota da chamada luta contra as drogas,
- Por serviços de saúde efetivo ser gratuitos
- Contra os lucros excessivos das companhias farmacêuticas internacionais. Especificamente somos solidários com aqueles que se enfrentam com as corporações

farmacêuticas que impedem o acesso aos medicamentos no Terceiro Mundo a preços razoáveis.

Nos países onde ainda não se formaram organizações lésbico/gay, uma forma útil de trabalho como início em torno da Aids é tarefa entre homens que mantêm relações com homens.
 

17. Em diversos países do mundo há́ uma crescente reclamação pelo reconhecimento legal das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo. A posição da Quarta Internacional é o direito à igualdade - para homens e mulheres, no casamento ou fora dele, das lgbt com pessoas heterossexuais. Atualmente as pessoas podem adquirir uma quantidade de direitos pelo casamento e alguns desses direitos favorecem principalmente os homens.

Estamos a favor do direito, por exemplo, que uma mulher ou um homem como indivíduos, qualquer que seja o seu estado de relacionamento ou sexualidade possa adotar crianças e ganhar a custódia de crianças. Todas as decisões sobre a custódia, o acesso e a adoção devem ser formuladas levando em conta o interesse real das crianças, em lugar da suposição de que uma família nuclear, não importando quanto de violenta ou desagradável seja, sempre favorece os seus se interesses. Também não apoiamos a idéia de que as crianças sejam tratadas como propriedade dos adultos. As crianças devem expressar-se nestas decisões. Também somos contra as leis de impostos que beneficia das pessoas casadas ou convivendo sexualmente a longo prazo.

Enquanto lutamos contra essas leis e regulamentações que privilegiam as pessoas casadas, reconhecemos que a reivindicação de direitos do casal e, em alguns contextos pelo direito ao casamento é uma demanda que está mobilizando grande quantidade de pessoas lgbt. Isso não nos surpreende por duas razões: porque as práticas discriminatórias contra as pessoas não casadas continuam e porque sabemos que a ideologia tem sua própria dinâmica. No mundo alienado da sociedade capitalista o casamento não só́ implica benefícios materiais mas também segurança emocional (sejam estes benefícios outorgados na prática ou não). Apoiamos o matrimónio entre pessoas do mesmo sexo, com igualdade e plenitude de direitos.

Também de mandamos melhores direitos legais para os casais, sejam ou não do mesmo sexo, o que não desejem contrair matrimónio. Os casais deverão poder estabelecer e

assegurar o reconhecimento de direitos e responsabilidades mútuas de modo variado, não só́ sob modelo único do matrimónio. Todas as opções devem estar ao alcance dos casais, seja do mesmo sexo o não. Por exemplo, onde a lei existe automaticamente outorga ao esposo ou consorte de uma mãe natural o direito a considerar a criança como “sua”, o companheiro homossexual da mãe natural deve ter os mesmos direitos. Também lutamos contra os tempos de espera adicionais para oficializar os casais do mesmo sexo e a negativa ou dificuldades impostas aos casais de imigrantes homossexuais quanto solicitam a residência.

Também é importante aumentar os direitos dos indivíduos independentemente de que sejam um casal ou solteiros. Os direitos individuais das mulheres não devem depender do relacionamento com os homens. Os direitos individuais reais necessitam de apoio social. As políticas de austeridade neoliberal desgarraram o apoio social, privatizando as responsabilidades sociais e impondo-as novamente sobre as famílias. O cuidado dos doentes e idosos, jovens, pessoas incapacitadas ou desempregadas é um direito deles e esta responsabilidade não é assumida pelos governos, que preferem que esposos, esposas, parentes, crianças cuidem dos doentes. Os movimentos lésbico/gays deveriam tentar evitar que mais pessoas fiquem presas destas humilhantes formas de dependência e teriam que aliar-se com grupos de mulheres e sindicatos que querem mudar a situação.

Atualmente os debates sobre o casal do mesmo sexo e o matrimónio são uma oportunidade para as pessoas lgbt revolucionarias para trabalhar junto a os atuais movimentos lésbico/gays que procuram fazer ressurgir a reclamação original do movimento por uma liberação verdadeira. Conjuntamente pode-se trabalhar para contrarrestar a percepção de “naturalidade” da heterosexualidade, desafiar papéis de género e questionar se a potestade sobre os filhos e filhas e direitos de herança deveriam estar fundamentados na paternidade biológica. Trabalharemos para abrir uma porta e através dela posam ser contempladas novas possibilidades: novos tipos de relacionamentos sociais e emocionais, além da alienação e a dependência que floreçam na diversidade e na liberdade.
 

18. As pessoas transgenéricas – aqueles cuja identidade de género varia com seu sexo biológico incluindo travestis, transexuais e muitos outros cuja identidade está arraigada em culturas indígenas – muitas vezes, mais não sempre, estão orientadas para pessoas do mesmo sexo. São em geral as pessoas mais oprimidas entre aquelas de sexualidade

orientada para o mesmo sexo. Elas também têm uma longa história de lutas contra a sua própria opressão. “Hijras” no Paquistão e “warias” na Indonésia organizaram-se nos anos 60, antes que os movimentos de liberação lésbico/gays europeus e norte-americanos fossem fundados. As “drag queens” de Porto Rico foram as primeiras a lutar contra a polícia na Rebelião de Stonewall de 1969 em Nova Iorque. Ao mesmo tempo em que os movimentos pelos direitos das lésbicas e gays ganharam respeito e consolidaram uma perspetiva reformista, as pessoas transgenéricas foram ignoradas, marginalizadas e tratadas como elementos vergonhosos. Apoiamos os esforços dessas pessoas para resistir à marginalização, para autoorganizarse de forma independente e conseguir a inclusão total no movimento lésbico/gay.

As pessoas transgenêricas têm necessidades e demandas de importância específica para elas que devem ser retomadas pelos movimentos lésbico/gays.

São elas, em geral as que são mais propensas a ganhar sua subsistência como trabalhadoras sexuais, as que são discriminadas quando procuram outro tipo de emprego, as que são atacadas por policiais e criminosos. Defendemos seus direitos à segurança e igualdade de oportunidades de moradia e emprego.

Também sofrem a negativa das autoridades para reconhecer sua identidade de género em muitas circunstâncias. Reconhecemos a necessidade de classificar as pessoas, às vezes de acordo com o sexo – por exemplo com o propósito de ações positivas para organizar espaço só́ para mulheres – mas questionamos a necessidade de registrar as pessoas pelo seu sexo de maneira rotineira sob qualquer forma e por qualquer motivo irrelevante.

Rejeitamos que as pessoas transgenêricas sejam submetidas a categorias estereotipadas social e biologicamente sobre o que constitui a masculinidade e a feminilidade (isso se manifesta na mutilação dos bebés hermafroditas, no tratamento com hormônios dos adolescentes que supostamente se comportam “corretamente” em termos de género y nas lições formais de comportamento estereotipado para os transexuais). As pessoas que querem submeter-se a cirurgia de mudança de sexo, às que nos referimos com o termo “transexual”, têm direito a seguro médico e ao reconhecimento oficial do seu novo sexo, sem ter que enfrentar-se a obstáculos tais como a exigência de dissolver seu casamento existente.

 

19. Concebemos o movimento lésbico/gay como sendo um só́, no sentido amplo, que junte a todos aqueles que desejem viver livremente suas sexualidades e amor com gente do mesmo sexo. Em diferentes países e culturas isso pode incluir pessoas que vivem diversos tipos de relacionamentos e estilos de vida que se identificam numa variedade de formas. Somos contra qualquer concepção do movimento lésbico/gay que limite as condições de participação fundamentado em qualquer norma exclusiva da homossexualidade.

Em muitos países e culturas os homens acostumam ter contatos sexuais com outros homens enquanto mantém as aparências exteriores de conformidade com as normas culturais da masculinidade, cumprindo os papéis familiares que são esperados dos homens e não identificando-se publicamente como gays ou bissexuais. No processo de organização na luta contra a Aids esses homens são conhecidos como “homens que mantêm relacionamentos sexuais com outros homens”. Uma questão que surge nestas situações e que provocou muitas tensões é que quando pessoas que não se identificam como lgbt mas mantém relacionamentos sexuais com pessoas do mesmo sexo, tratam seus companheiros ou companheiras sem respeito por causa da internalização das normas heterosexuais. Um primeiro passo importante para a liberação sexual é que nesses casos os homens e mulheres tratem a seus pareiros que sim se identificam como lésbicas, gays ou transgenêricos com respeito e solidariedade. Um próximo passo é que estas pessoas se incorporem ao movimento lésbico/gay, independentemente de como definam suas identidades sexuais no processo.

Em alguns países e circunstâncias, os bissexuais e outras minorias sexuais poderão optar por organizar-se de forma autónoma, dentro ou fora dos movimentos lésbico/gays, em torno a assuntos específicos do seu grupo ou a questões mais amplas como a Aids, a violência ou a diversidade.

Apoiamos seu direito e respeitamos sua opção, enquanto continuamos trabalhando em direção à aliança o mais ampla possível para as pessoas que sofrem a opressão sexual. Os bisexuais podem encontrar-se isolados tanto dentro das sociedades heterossexuais como dentro das comunidades lésbico/gays. A própria natureza da sua orientação sexual lhes permite passar desapercebidos ou parecer “normais” à sociedade em geral e que outros aspetos de sua sexualidade não sejam aparentes ou considerados meramente “experimentais”. Quando os bissexuais tentam romper com essa invisibilidade, para que

seja reconhecida sua orientação sexual como expressão legítima da diversidade que existe nas comunidades lésbico/gays e na sexualidade humana em geral consideramos esta atitude como positiva, ao igual que a posição que adotamos com respeito as lésbicas e os homens gays. A melhor maneira de superar as tensões que existem no movimento entre pessoas de diversas identidades sexuais é construindo um movimento inclusivo na luta contra o heterosexismo.

 

20. Apoiamos as campanhas contra a psiquiatria que define a homossexualidade e a transgeneridade como patologias e contra a barbárie dos intentos de medicação e “cura” das pessoas lgbt (através da psicoterapia, terapia aversiva e neurocirurgia).
 

21. O legado ideológico do stalinismo, que voltou a criminalizar a homossexualidade na União Soviética a partir de 1934 – ainda se reflete na discriminação contra as pessoas lgbt na China, Vietnam, Cuba e outras sociedades em transição. Enquanto que as piores manifestações da repressão ficaram no passado e que existe maior tolerância nos últimos anos ainda não se conseguiu uma igualdade plena. O regime chinês ainda não permite que as pessoas lésbico/gay se organizem abertamente enquanto tais.

Do mesmo modo que no resto do mundo a Quarta Internacional apoia os esforços pela organização da luta pelos direitos lésbico/gays na China, Vietnam̃, Cuba e outras sociedades em transição. Esperamos que os movimentos lésbico/gays nestes países façam uma aliança com os trabalhadores, as mulheres e outros setores opositores aos regimes burocráticos e cresçam para constituir um movimento pela democracia socialista. As alianças com as feministas serão chaves para poder desafiar as ideologias e políticas sexistas se em heterossexistas fundamentadas na família heterossexual. Mas esta possibilidade será́ uma simples utopia se os movimentos democráticos e feministas no apoio nas lutas lésbico/gays nem realizam esforços para combater os preconceitos anti-gay nas suas próprias fileiras e se os próprios movimentos gays não lutam contra o chauvinismo masculino.
 

22. Enquanto socialistas, nossa luta contra o sexismo deve incluir a luta para mudar a o papel do sexo na nossa cultura, para lutar por uma sexualidade mais livre e mais consciente. Isso requer que adotemos uma atitude mais crítica e transformadora com nossas definições existentes da sexualidade. A premissa básica para fazer essas mudanças deveria ser que as nossas definições de sexo, sexualidade, nossa identidade de género e nossa

identidade sexual tais como lésbica, gay, bissexual, heterossexual, são fundamentalmente sociais, histórico-culturais e algumas vezes até construções políticas e que por isso são suscetíveis de mudança. As pessoas podem e fazem distorções da sua própria sexualidade. Na procura da nossa redefinição da sexualidade, temos obstáculos reais: a falsa consciência, a alienação, a internalização de relações de opressão, normalização da cultura sexista e formas emocionais de repressão. Mas através de um debate amplo, sem censura, criticando a sexualidade da nossa cultura, é possível entender e mudar essa cultura para benefício da sexualidade humana. Nós apoiamos os esforços para dar às pessoas lgbt mais médios de expressão cultural incluindo os médios massivos.

Uma nova sexualidade, libertada do sexismo pode surgir a través de um longo processo de debate aberto e a exploração, especialmente do feminismo, para o que temos algumas linhas diretrizes e indicadores do que serão os resultados. Não há́ uma vanguarda ilustrada ou uma minoria que proclame saber o que é a sexualidade “feminina”, “correta” e devemos rejeitar qualquer tendência nessa direção, seja da direita religiosa ou de diversas tendências dentro do feminismo (tais como as feministas da diferença), de impor uma linha sexual “correta”. Em algumas partes do mundo, essas forças religiosas fundamentalistas e feministas conservadoras solicitaram que sejam legislados os códigos de conduta entre os quais se inclui a criminalização da homossexualidade e a censura de materiais de sexualidade explícita. Os marxistas revolucionários, ao contrário, deverão propor caminhos para a emancipação própria, o que não é só́ crítico, mas também democrático, participativo e tolerante da diversidade dos nossos desejos sexuais.

A principal demanda para abrir o caminho para tal processo de emancipação sexual é a defesa da consensualidade e a autodeterminação. Por isso uma parte intrínseca da nossa luta pela autonomia sexual também deverá articular o combate contra as restrições legais ao consentimento das relações sexuais e a luta contra todas as formas de discriminação sexual.

Inclusive a luta por elevaras condições materiais que possibilitaria a todos os membros da nossa sociedade (às mulheres, mas também às crianças e aos homens) resistir às imposições daqueles que violem seus direitos e sua autonomia sexual através de relacionamentos sexuais e/ou encontros emocionais não desejados. Para isso, as reivindicações fundamentais como pleno emprego, programas de ação afirmativos para as

mulheres e as minorias, ingresso estável e locais infantis confiáveis e de qualidade, moradia, serviços de saúde e direitos reprodutivos, incluindo o aborto, são pilares essenciais para a autonomia sexual. A necessidade de combinar a luta por uma sexualidade mais livre com a luta para defender a segurança social e o pleno emprego é a chave para enfrentar a reação da direita contra as mulheres e a comunidade lgbt.

 

Terceira Parte

Nossas táticas na construção dos movimentos
 

23. Todas as pessoas lgbt são oprimidas enquanto tais e, potencialmente poderiam incorporar-se ao movimento pelos seus direitos e sua liberação. A própria lógica da luta de liberação lésbico/gay especialmente em tempos em que o feminismo e outros movimentos radicais estão em ascenso, pode orientar os ativistas para retomar políticas radicais ou revolucionarias.

Esta lógica pode e deve orientá-los para aliar-se com o movimento dos trabalhadores e trabalhadoras. Mas para que isso aconteça, as pessoas lgbt deverão organizar-se dentro e fora do movimento dos trabalhadores para lutar contra os preconceitos heterossexistas existentes na classe trabalhadora e em toda a parte. Todas nossas secções para conseguir que nas organizações do movimento trabalhista se defendam as demandas das pessoas lgbt e apoiar a sua auto-organização dentro das organizações trabalhistas.

Ao mesmo tempo, as lgbt não poderão nem quererão atrasar a sua luta até que o movimento adote sua problemática. Isso significa que elas necessitam seu próprio movimento autônomo, que é respeitado e apoiado por nós.

Lembrando a resolução de 1979 sobre a liberação feminina, por autônomo entendemos que o movimento esteja organizado e dirigido por pessoas lgbt, o que significa lutar pelos seus direitos e necessidades como prioridade única, recusando subordinar este combate a qualquer outro interesse. Não subordinar-se às decisões ou às necessidades de nenhuma tendência política ou grupo social.
 

24. Como colocava a resolução de 1979 sobre a liberação das mulheres “As lésbicas se organizaram como um componente do movimento pelos direitos gays, geralmente encontrando a necessidade de lutar pelas demandas específicas das mulheres gays dentro do movimento gay. Mas as lésbicas também sofrem a opressão enquanto mulheres. Muitas delas se radicalizaram primeiro como mulheres e sentiram a discriminação devido a sua orientação sexual como um só́ aspeto das limitações socio-económicas que elas enfrentam

ao tentar determinar o curso das suas vidas. Muitas delas estiveram nas primeiras fileiras do movimento feminista a partir do seu início. Formaram parte de todas as correntes políticas dentro do movimento de liberação das mulheres, desde as separatistas lésbicas até as marxistas revolucionarias e contribuíram para que o conjunto do movimento seja mais consciente das formas específicas de opressão enfrentadas pelas mulheres gays”. Não sempre foi uma luta fácil, o movimento feminista respondeu frequentemente de forma problemática às acusações de lesbianismo por parte da direita e não fez campanhas sistemáticas em torno a demandas especificamente lésbicas. Em muitos países, as lésbicas organizaram-se independentemente dos homens gays e do movimento feminista mais amplo. A organização das lésbicas de forma independente foi escencial para a mobilização em torno das suas demandas para conseguir as mudanças. Como resultado da persistência delas, hoje o movimento lésbico/gay está muito menos dominado pelos homens e compreende melhor que a opressão das lésbicas prejudica os avanços do movimento feminista.

 

25. Dentro do movimento lésbico/gay, como em outros movimentos, defendemos os métodos que mobilizam a tantas pessoas lgbt como seja possível. Como em qualquer dos outros campos de trabalho lutamos continuamente contraideologias, lideranças e organizações o que poderia levar-nos a situações sem saída. Devemos responder aos argumentos com os que discordamos fundamentalmente, incluindo os seguintes pontos: · o argumento de que devemos evitar as posições “radicais” para não afastar às pessoas de posições majoritárias heterossexuais ou “simpatizantes” liberais, social-democratas ou populistas;

· resistências para unir-se fazendo campanhas em torno a reformas limitadas;
· o argumento do “estilo de vida” – referido no estrito sentido à liberação sexual – distrai dos temas económicos e políticos; nos países imperialistas o argumento para desautorizar a necessidade de grandes mobilizações é que “já́ quase estamos igual”;
· a reticência a procurar alianças com trabalhadores do movimento ou outros grupos auto-organizados;
· a visão de que as pessoas lgbt são uma minoria permanente – o que não reconhece a importância da universalidade da liberação lésbico/gay para a humanidade;

· insistir na organização como cidadãos, como rebeldes sexuais ou seres humanos abstratos – isso desprecia a importância das comunidades lgbt para a sobrevivência cotidiana e base da organização;
· uma reticência para confrontar a divisão dentro de nossos próprios movimentos, na questão de género, raça ou classe.

Impulsionamos a maior unidade possível e democrática entre os movimentos, reconhecendo os direitos e as necessidades de mulheres, negros, portadores de deficiência, bissexuais, pessoas transgenêricas, oprimidas pela sua nacionalidade e outras para a sua organização de forma independente. Em geral tentamos que nos movimentos avancem a participação e os interesses das pessoas lgbt da classe trabalhadora enquanto construímos os movimentos lésbicos/gays e, nesse contexto, aspiramos a cumprir um papel de liderança.

 

Parte Quatro
Perfil público e vida das nossas organizações

 

26. As secções da Quarta Internacional deverão apoiar a luta pela liberação das pessoas lgbt exista ou não um movimento social autônomo organizado em torno à problemática desse movimento no país. Nos países onde esse movimento existe, a secção deverá promover e apoiar a participação nele e nos movimentos progressistas que em geral apoiam as reivindicações do movimento lésbico/gay. Em alguns países as secções da Quarta Internacional contribuíram decisivamente para o surgimento destes movimentos. A Internacional deveria recuperar as lições das vitórias destas secções para ajudar nos países onde não existe tradição deste trabalho. Onde não existem ainda movimentos deste tipo, a tarefa da secção consistirá prioritariamente em generalizar a propaganda levantando amplamente as demandas específicas das pessoas lgbt no âmbito de movimentos progressivos.

 

27. Na nossa corrente marxista revolucionária, temos uma concepção de libertação social e sexual para os LGBT que vai além da exigência limitada da igualdade formal dentro da sociedade capitalista. Procuramos uma revolução profunda nas relações de género e da sociedade onde os privilégios heterossexuais comecem a desaparecer e que as identidades sexuais tenham poucas possibilidades de construir-se do mesmo modo que hoje.

Na esfera do privilegio, onde as mulheres, igual que as pessoas lgbt são mais oprimidas – e sua opressão é mais complexa - devemos questionar nossos hábitos. A luta é fundamentalmente ideológica contra a sociedade patriarcal e heterossexista , seu sistema de valores e práticas, o que exige discussões por todos os membros das secções e não só́ a nível

das lideranças, também na nossa base estrutural e nas atividades de formação de quadros. O preconceito heterossexista deve ser combatido por todas e por todos os membros das secções.

Citando a resolução de 1979 sobre libertação das mulheres “não temos a ilusão de que as secções sejam ilhas da sociedade socialista do futuro flutuando no marasmo capitalista ou que os camaradas possam escapar da educação e condicionamento absorvido do esforçó diário de sobreviver na sociedade de classes... Mas é uma condição para os membros da Quarta Internacional que a conduta dos companheiros e companheiras seja e suas secções estejam em harmonia com os princípios nos quais estamos baseados.

Lutamos por criar uma organização na qual a linguajem, as piadas, a violência pessoal e os atos de expressão de intransigência chauvinista não serão tolerados”.

Dentro de um partido revolucionário os preconceitos têm a ver com a totalidade de seus integrantes. Muitas vezes os membros lgbt – especialmente a juventude – não se encontram suficientemente tranquilos como para expressar seus pontos de vista ou de colocar temas como os outros camaradas. O mesmo acontece entre camaradas mulheres e homens.

Deve considerar-se que fatores como a autoestima e a autoconfiança estão em perigo devido a que a educação tradicional ensinou às pessoas a ter vergonha do que elas são. Muitas vezes um camarada pode ser um partidário dedicado das posições do partido sobre a homossexualidade e no entanto, na sua vida pessoal ou nos relacionamentos estabelecidos dentro da organização, extremamente opressivo. Quando isso acontece, não trata-se somente de um assunto pessoal, mas tem a ver com todo o partido e o caso deve ser aberta e completamente discutido. Alguns camaradas – inclusive algumas secções? – mant6em posições conservadoras sobre a homossexualidade. Determinadas crenças implantadas durante muitos anos podem ser difíceis de se mudadas. Muitas das mudanças radicais propostas pelos movimentos das pessoas lgbt em geral não são aceitas na sociedade, nem sequer entre os revolucionários, porque pertencem a aquela dimensão que usualmente chamamos “do privado”. Mas é aí onde as mudanças começam: é um esforço necessário se queremos ser reconhecidos e participar no movimento das pessoas lgbt, com todo seu potencial subversivo. Citando o texto sobre “políticas de sanção num partido feminista”, aprovado pelo Congresso de 1989 do PRT mexicano “isso não é matéria que

oferece receitas ou modelos para a vida. A procura de novos homens e mulheres é só́ isso: uma procura. Sabemos que nossa liberação não é possível num sistema capitalista, mas precisamente isso é uma das contribuições da nossa corrente internacionalista, reconhecer a necessidade de lutar pela mudança começando agora”. Essa mudança não pode esperar pelo socialismo.

 

28. Devem ser criadas as condições para a existência do trabalho das pessoas lgbt que nossas organizações para permitir a seus membros preparar uma intervenção organizada nos movimentos onde eles existam e a manter suas próprias estruturas de discussão quando as pessoas sentirem sua necessidade. Deveríamos olhar criticamente as condições que oferecemos na nossa própria organização para os militantes lgbt. As secções têm que ser recetivas para as pessoas lgbt e também capazes de apoiar a reafirmação deste campo da luta politica.

Homens gays, lésbicas, bissexuais e pessoas transgenêricas são todos oprimidos pelo heterossexismo da sociedade capitalista patriarcal. No entanto essa opressão se manifesta e se experimenta de modos diferentes para cada um destes grupos. Enquanto isso significa que dentro dos movimentos autónomos deverá existir a necessidade de agrupar por separado a estes grupos específicos, isto é particularmente difícil na maioria de nossas secções aplicando uma estrutura permanente até que não sejamos pelo menos um pequeno partido de massas. Por isso devemos adotar estruturas e normas que permitam a participação destes grupos se surgir a necessidade, mas dando prioridade à construção das causas das pessoas que lgbt enquanto tais.


29. As organizações europeias de jovens são o setor da Quarta Internacional onde a problemática das lésbicas e gays foi mais regularmente uma preocupação politica, ainda que continuem os desequilíbrios. Um dos elementos mais importantes foi a visibilidade dos acampamentos de jovens a partir do início dos anos 80 e a introdução de um espaço específico lésbico/gay a partir de 1989. Não só́ foi colocada a questão na agenda de todos os participantes, mas também proporcionou uma oportunidade para que os camaradas jovens das diferentes organizações onde podem sentir-se isolados por causa do pequeno tamanho das nossas organizações juvenis – se juntaram retomando impulso político e social uns dos outros.

As campanhas contra a repressão sexual da juventude devem ser um atributo central da atividade de nossas organizações juvenis e apresentar a orientação sexual como uma eleição. Essa propaganda ou campanhas devem desafiar os papéis sexuais de género dominantes.

Enquanto continua a exigência de que o Estado cumpra sua responsabilidade pela educação sexual e atendimento da saúde, devem eles mesmos ajudar a educar seus membros até onde seja possível nas questões de contracepção, eleição sexual, género, machismo e homofobia. Especialmente nos acampamentos da juventude, escolas e outras atividades das nossas organizações, onde os participantes podem estar ativos sexualmente, temos a responsabilidade de que as camisinhas e a informação sobre saúde sexual estejam disponíveis para prevenir a gravidez não desejada e a transmissão da Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis.

As demandas em torno à educação sexual e atendimento médico podem ser ferramentas efetivas de mobilização estudantil e de jovens fora das nossas fileiras. O compromisso das organizações juvenis de retomar os assuntos lésbico/gays como um dos seus pontos de organização politica é de fato essencial. Porque entre a juventude podemos encontrar maior compreensão desta difícil problemática misturada com a problemática pessoal e politica.

Isso ficou demonstrado onde a Quarta Internacional realizou trabalhos lésbico/gays.

 

30. A heterosexualidade dos nossos integrantes não deve ser assumida nas discussões internas da nossa organização, dessa forma se excluem outras possibilidades - do mesmo modo que a educação heterossexista o faz – e é equivalente à invisibilidade” com a que a sociedade heterossexista patriarcal condena a realidade das pessoas lgbt em muitos países.

A maior parte das vezes os membros lgbt escolhem trabalhar pelas pessoas lgbt porque sentem pessoalmente essa necessidade. Mas integrar-se num grupo lgbt não é o mesmo que ingressar, por exemplo, num grupo antirascista. As questões íntimas e políticas em torno da sexualidade implicam dificuldades particulares de aproximação e devem ser tratadas também a nível pessoal.

Muitas vezes, implica revelar alguma coisa sobre a nossa própria vida íntima, o que às vezes não é um processo fácil de encarar. Então, cada integrante do partido deve

sentir-se absolutamente bem-vindo para formar parte nas tarefas das pessoas lgbt sem sentir que a sua orientação sexual está sendo julgada e sem considerar que “outras áreas são mais importantes”.
 

31. As secções da Quarta Internacional devem lutar conscientemente até olimite onde a opressão das pessoas lgbt na nossa sociedade é reproduzida dentro das nossas próprias organizações. Isso não significa que as piadas ou condutas sexistas o heterossexistas devem ser evitadas, significa também criar condições para a participação das pessoas lgbt na vida das nossas organizações como revolucionários e revolucionarias como militantes lgbt.

Para que isso seja possível é fundamental integrar a problemática das pessoas lgbt na agenda politica.

Como se diz no texto anteriormente citado do PRT mexicano “nós, como mulheres reclamamos um certo equilíbrio de forças de maneira que a questão do género possa sempre estar presente... Para isso acontecer, necessitamos... criar espaços de discussão para as mulheres onde deles não existem e onde existirem devemos reforçá-los".

Acreditamos que isso também se aplica aos camaradas lgbt.


32. Nos países onde as secções organizaram grupos lgbt, é necessário que a organização inteira tenha acesso ao que produzem. A discussão interna sistemática em torno da problemática das pessoas lgbt é uma condição para a coletivização do tema, para mudar hábitos discriminatórios que possam existir nas nossas organizações e ainda ajudar aos companheiros e companheiras lgbt - e especialmente aos que são muito ativos no movimento - a ter uma perspetiva revolucionária sobre a sua problemática. É necessário que as secções sejam abertas para a organização de comissões e comités, também para a formação de frações em torno desta problemática. Mas além de discutir, cada membro das secções deve apoiar voluntária e ativamente as ações e campanhas lgbt.
Fazendo referência ao texto da resolução de 1979 sobre liberação das mulheres: “tal como em qualquer outro assunto, a liderança e os militantes membros do partido, deve estar enteados sobre o trabalho, participar coletivamente na determinação da nossa linha politica e da responsabilidade de levar adiante nossas campanhas e propaganda em todas as áreas da luta de classes onde sejamos ativos”. A problemática lésbico/gay deverá formar parte das nossas discussões a nível local, regional e internacional. A totalidade dos membros devem ser educados sobre a liberação lésbico/gay nas nossas escolas locais, nacionais e

internacionais. A nossa imprensa deve noticiar e comentar sobre o movimento das pessoas lgbt.
 

33. A problemática lgbt deve ser integrada às declarações publicas das secções e às intervenções diárias de nossos companheiros e companheiras. Os integrantes ativos nos movimentos sindicais, antirascistas, etc., devem colocar as demandas lésbico/gays no seu trabalho político. As pessoas lgbt que sejam membros da nossa secção devem ser impulsionadas para ter uma presença ativa e organizada no movimento lgbt exterior, numa perspetiva revolucionária. Onde seja possível dependendo das oportunidades políticas em cada país e em outros campos de trabalho tentamos chegar a posições de acordo com outras forças da esquerda que sejam ativas nestes assuntos para um trabalho comum. Sendo que os militantes revolucionários são minoria dentro do movimento lgbt, o contato com suas organizações lgbt é importante inclusive quando as secções não tenham membros lgbt vinculados ao movimento.

Um dos efeitos da pressão que sofrem as pessoas lgbt é que suas capacidades pessoais são questionadas pela sua orientação sexual e não na base de uma avaliação objetiva. Nossas organizações deveriam tirar proveito das oportunidades onde os membros lgbt falem em nome da organização sobre temas lgbt e fazer da participação nas tarefas lgbt, igual que em outros trabalhos políticos de massa, um dos critérios para a eleição de camaradas para as suas direções. O mesmo critério deve ser considerado quando nossas organizações escolhem candidatos para campanhas eleitorais. Devem postular-se abertamente candidatos lgbt. Além disso, todos nossos representantes eleitos em todos os níveis devem retomar as demandas lésbico/gays dentro das suas instituições representativas e incluí-las nas suas declarações publicas. Devem também transmitir as demandas dos movimentos lésbico/gays nas deliberações políticas das instituições representativas.


34. Muitas vezes, membros lgbt de organizações revolucionarias têm dificuldades para sentir-se integradas nas nossas organizações e no movimento lgbt, vinculadas pelo fator de opressão, elas têm formas particulares de socialização e resistência à “heterocultura”.

Por isso muitas vezes tendem a separar suas vidas, a politica e a social.
Não sempre nas nossas organizações se entende que o ativismo dos membros lgbt tome esta forma particular. Por outro lado, ser um militante revolucionário quase sempre significa que as pessoas não sempre se encontram em casa inclusive na “cena” lgbt. Os camaradas tendem a viver em dois mundos separados, com regras diferentes e, em geral incompatíveis. Construir vínculos com os companheiros e companheiras lgbt nos diferentes locais e nas diferentes secções e impulsionando o crescimento das atividades lgbt, as discussões e reuniões sociais dentro do movimento são algumas das melhores estratégias para combater os “riscos de uma personalidade dividida” e ter ativistas na Internacional. Os esforços nessa direção deverão dar as boas vindas e apoiar nossas organizações.

 

Quarta Internacional