"Em carne e osso com Mamadou Ba", para contradizer os perfis falsos e bots usados pela extrema-direita em redes sociais, é o nome de uma campanha de solidariedade que em poucos dias mobilizou centenas de pessoas enviando vídeos, textos, canções ou outras formas de participação num resposta conjunta virtual ao racismo e à perseguição de ativistas antirracistas em Portugal.
A campanha foi uma maneira criativa de ultrapassar as atuais dificuldades impostas pela pandemia (o país está em confinamento desde o final de 2020) para responder a uma petição que exigia a deportação de Mamadou que obteve 15 mil assinaturas (muitas das quais falsas). Diariamente continuam a chegar contributos múltiplos, quer de pessoas desconhecidas, quer de artistas, jornalistas, políticos/as e ativistas bem conhecidos/as, ver aqui.
Mamadou Ba é um camarada da Quarta Internacional em Portugal. Ele é um ativista negro com um percurso de décadas. Nasceu no Senegal e organiza-se particularmente naquela comunidade, mas tem nacionalidade portuguesa. Pelo seu papel como porta-voz da organização antirracista SOS Racismo, Mamadou tem sido frequentemente alvo de campanhas e ameaças por parte da extrema-direita, apoiada por empresas que fabricam bots e perfis falsos, manipulação de vídeo e notícias falsas para visar militantes atirracistas bem como as primeiras mulheres negras eleitas como deputadas no Parlamento. Mais recentemente, uma petição exigindo a sua deportação atingiu as 15 mil assinaturas (muitas das quais falsas).
O que distingue de outras esta petição específica é o eco que ganhou nos noticiários dos meios de comunicação, que uma vez mais amplificaram acriticamente as narrativas da extrema-direita, num momento em que o candidato do partido de extrema-direita Chega demonstrou o seu potencial de crescimento ao obter mais de 11% do voto popular nas eleições presidenciais de 24 de Janeiro (contra os 1,29% nas prévias eleições legislativas, com os quais elegeu o seu único deputado no parlamento).
Este ataque particular contra Mamadou Ba teve lugar no contexto da morte de Marcelino da Mata, o mais condecorado militar do exército português, que serviu em mais de 2000 operações na Guerra Colonial na Guiné, algumas das quais foram classificadas como crimes de guerra e Portugal foi condenado pelas Nações Unidas por estas operações. Ele era um guineense que lutou pelo poder colonial. Da Mata, que se vangloriava dos seus atos de tortura e era um militante de extrema-direita, morreu a 18 de Fevereiro em resultado de doença relacionada com a covid, com 80 anos de idade. Outro partido de oposição de direita, o CDS-PP, que luta pela sua sobrevivência face à ascensão do Chega, propôs um voto de pesar pela sua morte no Parlamento português e a expulsão de Mamadou Ba do grupo de trabalho governamental sobre racismo.
Ba foi uma entre um conjunto de figuras públicas que condenaram este tributo a um criminoso de guerra que colaborou com o regime fascista de Salazar. Mas enquanto ativista negro, é contra ele que é dirigida a maior campanha de ódio.
Embora a petição para o deportar não possa ter sucesso, isso não dominui a necessidade de manifestarmos solidariedade com ele em particular e condenarmos aqueles que impulsionam o ódio racista. De momento, a campanha só está a aceitar contributos em português.
Como Mamadou Ba e muitas outras pessoas, concordamos que Marcelino da Mata é um criminoso de guerra que não merece qualquer respeito’. Solidariedade com Mamadou #MamadouFica
25 de Fevereiro 2021
Abaixo, publicamos uma declaração do SOS Racismo
Nota de repúdio
As posições do ativista antirracista Mamadou Ba, assentes no pleno exercício de uma democracia plural, têm sido alvo frequente de ataques que excedem o contraditório legítimo, para se instalarem no insulto, no ataque difamatório quando não da ameaça pessoal.
Recentemente, esta escalada de ódio e de intolerância conheceu um novo grau, na sequência das declarações de Mamadou Ba quanto à visibilidade e honras de Estado concedidas a Marcelino da Mata.
Na sequência de uma opinião que nem sequer está isolada (várias pessoas e instituições condenaram os louvores a Marcelino da Mata), Mamadou Ba esteve no centro de várias petições solicitando a sua expulsão do país, uma delas com cerca de 15 mil assinaturas.
Mesmo que a validade legal das referidas petições seja nula, a sua repercussão no espaço público e a sua projeção nas redes sociais e media merece-nos a maior preocupação. Elas revelam:
– A permeabilidade do espaço público não apenas à calúnia e ao impropério mas, principalmente, à mensagem que vê a deportação como punição adequada para uma espécie de delito de opinião;
– O magnetismo exercido em certas instituições e partidos, dos mais recentes a alguns que se reclamam cofundadores da Democracia portuguesa, pelo ímpeto racista, pelo discurso do ódio, pela fúria nacionalista;
– O modo como este tipo de petições colhe rápida e expressiva aceitação, entre as mesmas pessoas que se revoltam ante a acusação de racismo.
Pelo exposto, o SOS Racismo repudia o conteúdo das referidas petições, apelando a que outras pessoas e instituições se solidarizem, no zelo necessário para com uma sociedade democrática, plural e crítica.
18 febrero 2021